29 agosto 2008

Brasileirando a alma (8) (continua)

Sempre que posso, torno-me arqueólogo das ruas de São Paulo, escavo por todo o lado, procuro coisas fixas, identidades perenes, algo sólido por baixo desta imensa volatilidade, desta contagiosa efemeridade do cruz-cruza-desaparece de todos nós. Em cima fica todo este cimento, este concreto; no meio a fugacidade dos encontros, dos cruzamentos. E em baixo há o quê? Pergunta viciada. Em baixo não há nada. A raiz das coisas está no que chamei meio. O fixo está no fugaz, na silhueta, no foi-se, no desconhecido. Toca o alarme da mota estacionada e sem proprietário à vista: "este veículo está sendo roubado...." Mas ninguém está a roubar a mota. Aproximo-me. Diz-me o colega brasileiro para eu não fazer isso, aqui ninguém liga a ninguém, cada um por si, perigo mora em todo o lado. Atravesso a rua: uma oficina de bem-estar, lá dentro montes de pessoas exercitam-se, musculatura, corrida artificial, rostos suados, olhares ansiosos. A cultura do bem-estar da moda feita a correr, sempre a correr. Mais à frente passo por um alfaiate clássico, dá prazer, a calça faz-se, não se compra feita, não é como sopa de pacote. Depois uma oficina de cães: entra cão sujo, sai neo-cão com cheiro a colónia. Orelhões. Amo orelhões. Sempre os estudo, nem sempre estão operacionais, nem sempre podemos telefonar. Em Paris, os orelhões são habitados por pequenos anúncios de aluguer de apartamentos, de fotocópias, de tratamento de teses. Aqui, são habitados por anúncios de mulheres prometendo o céu sexual aos fregueses. Passa uma rapariga de bumbum avantajado e seios prepositadamente deixados à mostra por um sutien-biquini. Julgo ter contado cinco homens que se viraram para trás com os olhos ancorados nesse bumbum. Mas olhada rápida com passada-corrida logo reposta. Uma loja de coisas antigas, de tudo um pouco. Uma loja de chapéus, de paletós, de casacos, tudo de bom gosto, o proprietário à porta, imponente e vigoroso em seu tempo readquirido. Vozes, identidades lutando contra a inexorável megapólis do cimento-concreto, espasmos doridos esmagados pelos supermercados, pelas coisas já digeridas. E lá vou, cruzando-me com toda esta gente misteriosa, igual, efémera. Estranha sensação de sermos nada estando juntos sem estarmos.

7 comentários:

Lisa disse...

Esqueceu-se de um homem prof: Carlos..Então e voçê? Não se virou? hehhehe Pelo menos deu para ver o bumbum avantajado e o peito deixado á mostra...hehhehe
Tirando isso gostei ..Dá vontade de passear consigo :-)
Lisa

Anónimo disse...

Belo texto. Do que depreendi, penso que podes gostar do seguinte blogue:
http://vidaseimagens.opensadorselvagem.org/
Também recomendo os demais blogues do O pensador selvagem, minhas preferências pessoais indo para o Marconi Leal e Milton Ribeiro.
Abraço,

Carlos Serra disse...

Hummmm....Lisa, pois é.

Carlos Serra disse...

Obrigado, Jonas.

Anónimo disse...

[...]
"Passa uma rapariga de bumbum avantajado e seios prepositadamente deixados à mostra por um sutien-biquini."

Caro Professor,

Umas "doces" fotos sempre ajudam o leitor a melhor compreender a dimensão dos achados destas buscas arqueológicas, não acha?!

Abraço e um excelente Fim-de-Semana. E por favor não se esqueça de levar a camera fotográfica para a sua próxima doce "escavação" ...

V.I

P.S: Leve uma camera digital de preferencia ... não va um maldoso rolo fazer das suas ... por conta dos "Xiquembos Paulistas" que bem connhece ...

Sir Baba Sharubu disse...

"Diario de um sociologo" is my must read for Africa.
During September, I will also read
daily the following:
Americas: The Washington Post
Asia/Pacific: Asia Sentinel
Europe: La Repubblica(Italy)

Carlos Serra disse...

Na próxima levo mesmo a máquina, V.I...Obrigado, Sir Baba.