27 abril 2006

A relação

Por exemplo, suponhamos este fenómeno passado numa banca do mercado central de Maputo: quero comprar alface, esta está, suponhamos, a 3.000, 00 Mts o molho (certamente calculei por defeito), eu acho o preço exagerado, entendo, por exemplo, que 2.500,00 Mts seria mais justo. Segue-se uma prova de «força», uma «relação de poder» entre mim e a vendedeira. Esta teria, naturalmente, preferido que o preço subisse, eu, que ele baixasse. Eu coloco-me na minha posição de comprador, sou momen­ta­neamente todos os outros compradores, encarno-os na sua essência, na sua língua, nos seus valores, na sua moral (somos honestos, os comerciantes são quem rouba), nos períodos áureos da sua história, nos seus heróis (suponhamos aqueles que sempre conseguiram comprar mais barato), nos seus mitos (estar convencido de ter sempre razão, de que os vendedores dependem dos consu­midores), nos seus costumes e símbolos (cesto, carteira, dinheiro, a pergunta padrão imale muni leswi? - quer dizer, quanto custa isto? - ou unguenipumbeli kê? - isto é, não faz abati­mento?). É com esses olhos plurais e interdependentes que vejo a relação e me mantenho na prova de força com a vendedeira que, por sua vez, é, ela também, o tipo médio de todos os seus colegas, igualmente portadora dos seus valores, da sua moral, da sua história, dos seus heróis, dos seus mitos e símbolos, etc. Ambos falamos a mesma língua, mas diver­gi­mos nos objectivos. Ela não pode ser vendedora sem mim e eu, comprador sem ela. Cada uma das nossas identidades só tem sentido quando simultaneamente confrontada com a alteridade e na interpenetração, modesto que seja o território de luta. Pode acontecer que cheguemos, finalmente, a um acordo, certamente que chegamos sempre a um acordo, embora possa acontecer que não cheguemos. Mas isso não é relevante para o nosso caso aqui. O que é relevante é a cadeia de pressupostos que combustibiliza o processo e potencializa o resultado, é a tensão, a mobilidade de todas as provas de força que preenchem as relações sociais.
Nesse processo de um exemplo simples, de um jogo a dois, estão os ingredientes potenciais (por que não reais?) de uma relação digamos que «étnica».

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